Entre a crônica e a memória literária...

por Deisiane Barbosa
No encontro de hoje (05/06) fizemos uma recapitulação do que vimos acerca dos gêneros literários trabalhados. Realizamos leituras de belos textos, comentamos os seus conteúdos e as suas bases estruturais, partilhamos impressões e, por fim, após dúvidas esclarecidas, já estávamos todos mais tranquilos.
Para quem perdeu nosso encontro – o qual fora muito proveitoso – segue abaixo um breve esquema do que aconteceu.
Relembramos quais foram as atividades solicitadas no decorrer do curso e são elas:
  • Apresentação criativa de si;
  • Relatório da experiência em sala de aula a partir da aplicação de uma atividade envolvendo o conceito de Memória;
  • Criação de uma Memória Literária;
  • Plano de aula prevendo a aplicação dos conceitos de Memória e Patrimônio;
  • Crônica, cujo tema contemple algum bem patrimonial discutido nos encontros do Dedinho de Prosa;
Ouvimos o áudio e acompanhamos a leitura do texto “Restos do Carnaval” da escritora Clarice Lispector – o qual está disponível aqui no site da Revista Nova Escola. Observamos que determinado texto, mesmo não recebendo claramente a “classificação” de uma memória literária, corresponde perfeitamente a uma. Por quê?
A autora usa a voz de um narrador-personagem para se reportar ao passado e contar memórias de sua infância. Ou seja, ela narra em primeira pessoa um fato específico, o qual lhe aconteceu num carnaval muito marcante. Sabemos que Clarice passou parte da sua infância no Recife, logo, acredita-se que mesmo recebendo muitas investidas da ficção, a história pode ter sido baseada em fatos da realidade. No entanto, para atestar o caráter de memória literária, não vamos discutir se a história precisa ser verdadeira ou não; como dissemos hoje: ela pode ser baseada na realidade do autor e no ato de narrar ele pode acabar floreando um pouco o seu caráter ficcional para dar uma beleza literária em alguns pontos. Foquemos aqui no formato básico desse tipo de texto: em primeira pessoa, referente a um fato do passado do autor-narrador-personagem.
Após sanar algumas dúvidas latentes partimos para a crônica. O que seria de fato a essência da crônica? Qual seu diferencial e como, inclusive, ela se distingue da memória literária?
Antes de tudo lemos o texto “Quanto tempo?” da escritora Heloisa Seixas – disponível aqui em seu site. Percebemos como a autora construiu sua breve e singela narrativa. Primeiro ela iniciou com algumas lembranças da infância e a todo tempo traçou paralelos com narrações do presente – o que ela estava fazendo, o seu percurso, para onde estava se encaminhando. Em grande parte do texto ela traça esses parâmetros, evidenciando seu encantamento pelo mar do Arpoador, como ele ficou marcante desde a sua infância. Já quase no final a autora toca um outro ponto a partir de um algo banal – um pedaço de esparadrapo que solta-se do seu pé. Com esse redirecionamento a autora leva o texto para um rumo diferente: ela constrói um discurso ecológico sobre como estamos preservando nossos bens naturais e firma nesse discurso alguns dos seus pontos de vista. Dessa forma, percebemos que o discorrer da crônica traz algumas memórias sim, porém não se prende somente a elas – estas não são o foco principal –, ela também faz comparações com o momento presente e termina por comentar questões tão pertinentes como a preservação ambiental, faz algumas críticas sobre nossa dívida em relação a isso.
Portanto, o que define tal texto – cuja linguagem é muito bem articulada e tende muitas vezes ao lirismo – como uma crônica? A figura de um narrador-personagem, que observa o seu cotidiano, tira das suas vivências reflexões críticas, posicionamentos, pontos de vista claros; essa figura reporta-se ao passado algumas vezes para retomar acontecimentos que se somam ao presente e às discussões que ele quer levantar. O texto também é breve, curto, leve; é um texto rápido, porém, eficaz, belo.
Desse modo, vale ressaltar: uma crônica, diferente de uma memória literária, não se prende às lembranças do passado, seu foco maior é o contemporâneo, o que cerca o autor, o seu cotidiano, o que está sob seu olhar e o inquieta de alguma maneira – seja positiva ou negativamente. A crônica requer sempre o seu ponto de vista de um modo breve, conciso.
Por fim, lemos as produções textuais dos educadores presentes e traçamos alguns comentários. Observamos seus aspectos positivos e também os pontos que desfavorecem a configuração conforme o gênero textual solicitado.
Dúvidas sanadas, a aula findou e todos foram para as suas casas pulsantes em inspirações renovadas – certamente estão por vir mais belas produções textuais! Aguardemos...

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Deisiane Barbosa é arte educadora na Casa de Barro, onde trabalha a Escrita Criativa ligada à Educação Patrimonial. Graduando em Artes Visuais pela UFRB, realiza produções artísticas em performance, videoarte e fotografia, sempre associadas a criações da Literatura. Atualmente pesquisa a carta como um gênero literário expresso em meios visuais como a arte postal.

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